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quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Documento histórico: Carta-Testamento de Getúlio Vargas

Não se faz história sem documentos. A história que estudamos só é possível ser construída pela existência de evidências. Qualquer evidência. Uma carta, uma foto, uma pintura, um jornal, um e-mail, um filme, uma garrafa... tudo pode servir para estudar e analisar história. Mas não basta ler o documento e acreditar no que ele diz. É preciso questioná-lo, é preciso colocá-lo dentro do contexto em que foi produzido para poder entendê-lo e assim produzir versões da história. Um documento pode produzir várias interpretações e todas elas, desde que feitas com método e crítica, podem ser verdadeiras, embora divergentes.
Rascunho da carta feita por
Getúlio Vargas.
A partir dessa introdução, posto hoje um documento para que seja lido e pensado: a Carta-Testamento de Getúlio Vargas. Nela, é possível notar os debates que estavam ocorrendo e que são apontados pelo autor como motivos para a crise que seu governo passava. Há de pensar também a linguagem utilizada: a valorização do trabalhador na escrita denota o papel que estes tinham para Vargas e a capacidade que o presidente tinha em conseguir o apoio popular, o que pode ser notado com a comoção pública com a sua morte e pela forma que Vargas era tratado pela população trabalhadora, tendo até músicas de carnaval em sua homenagem.
Enfim, boa leitura!



Carta-Testamento

Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.
Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.
Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.
Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão.
E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.

Getúlio Vargas













terça-feira, 19 de agosto de 2014

Dicas de filmes: Idade Média

Os cavaleiros de Cristo, obra de
1432.
Alguns filmes são bem interessantes para entender um período histórico. Lógico, tem que se ter o cuidado de lembrar que um filme NÃO É O QUE REALMENTE ACONTECEU! Mas colocam diversas possibilidades para se pensar o período retratado e também o nosso presente.
Sobre a Idade Média, vou indicar hoje dois filmes clássicos:

1 - O Nome da Rosa (Der name der rose, ALE/ITA/FRA, 1986, Jean-Jacques Annaud)

Cena de "O Nome da Rosa"
 Talvez o filme que tenha chegado mais perto da Idade Média. Uma série de questões como o papel da Igreja no período, o cotidiano camponês, as formas de pensar ligadas a cultura religiosa, a inquisição, enfim, vários elementos do medievo apresentam-se neste clássico estrelado pelo ex-James Bond Sean Connery.

Filme completo legendado



2- Os visitantes: eles não nasceram ontem (Les visiteurs, França, 1993, Jean-Marie Poiré)

ótimo filme para ver as diferenças nas formas de pensar e viver entre homens medievais e os homens modernos. A ideia da vinda de pessoas do ano de 1123 para 1993 ajuda a mostrar o estranhamento entre duas culturas diferentes em termos de tempo. O cavaleiro Godofredo e o seue scudeiro camponês encontram um mundo totalmente diverso, em que os descendentes dos camponeses tem tanto poder quanto um nobre: algo inaceitável para os cavaleiros medievais!
Cena em que os medievais encontram um carro

trailer do filme: infelizmente não tem no Youtube... Mas quem tiver o Netflix, o filme está disponível!

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Guerra Civil Espanhola e o Guernica

Pablo Picasso
O ataque a cidade basca de Guernica em 26 de abril de 1937 foi o episódio mais dramático da Guerra Civil Espanhola (1936-1939) (sobre a guerra, clique aqui). O ataque é conhecido como o "laboratório da Segunda Guerra", pelo fato de os nazistas, em apoio aos franquistas na guerra, terem experimentado muitas armas que seriam usadas na Guerra que viria a partir de 1939. O bombardeio destruiu a cidade que tinha na época em torno de 7 mil habitantes e atacou não apenas lideranças pró-Frente Popular, mas também a população civil.
Em homenagem as vítimas do ataque e refletindo suas posições políticas progressistas, o pintor espanhol Pablo Picasso (1881-1973) realizou uma das suas obras mais célebres: Guernica (1937).
Abaixo, vocês podem ver uma demonstração em 3D do quadro:



Segundo o blog Abstração coletiva (link original aqui), esta seria uma possível simbologia dos elementos presentes na pintura:

O cavalo: para Picasso, o cavalo em “Guernica” representa o povo inocente. A distorção na cabeça do cavalo revela pânico e a dor do animal mortalmente ferido. Suas narinas e dentes superiores parecem formar a imagem de uma caveira. O ferimento do cavalo, um talho negro em seu flanco, ocupa um lugar de destaque na pintura. Pelo corpo do cavalo, distribui-se pequenos tracejados negros, que remetem as folhas de um jornal, através do qual Picasso leu sobre o massacre de Guernica.
O touro: o touro é um símbolo da cultura espanhola, e sua imagem está associada à força. Mas o touro de “Guernica” não parece particularmente agressivo. Também ele experimenta o terror da carnificina.
As luzesPicasso pinta uma luz elétrica na cena, que lembra um olho maligno ou a lâmpada da cela de um torturador. Próxima a ela, está um candelabro, de formas mais suaves. A oposição entre os dois símbolos representa a dicotomia entre o bem e o mal, a morte e a vida.
As figuras humanas: impotentes e distorcidos pela dor, com seus corpos dilacerados, não demonstram a nobreza da batalha, apenas o pânico da tragédia. Da esquerda para a direita, vemos uma mãe com o filho morto nos braços (uma moderna pietá), um soldado caído que traz na mão esquerda um estigma de Cristo (uma provável referência a obra Os Fuzilamentos de Três de Maio, de Goya), uma mulher esgotada e desorientada, uma figura feminina trazendo um candelabro, completamente incrédula ante a tragédia, e uma pessoa em chamas, que ergue os braços para o vazio.
A margarida: vemos uma margarida na mão direita de um soldado caído, delicadamente desenhada, um pequeno símbolo de esperança. nesta mesma mão, o braço decepado segura com firmeza uma espada quebrada, que representa a resistência do povo espanhol.
As coresPicasso utiliza-se das cores preto, branco e cinza, tornando a obra bastante sombria. O uso destas cores na obra “Guernica” também podem remeter as matizes de um jornal.
Guernica, quadro de Pablo Picasso (1936)