Busto de Sócrates |
Por tal ousadia, o filósofo acabou condenado a morte. Vejamos esse texto de Renato Janine Ribeiro, publicado na Zero Hora de 7 de fevereiro de 2015 para entender o filósofo que conversava.
Os
filósofos corruptos
A cidade de Atenas não entendeu o que dizia
Sócrates. Não conseguiu compreender que ele não pregava nada, apenas fazia
pensar.
07/02/2015 | 16h06
Em dois mil e
quinhentos anos de filosofia (pelo menos, no Ocidente), tivemos dois nomes
condenados por corrupção. Um deles é uma glória da filosofia, talvez sua maior
glória: Sócrates, que morreu em 399 antes de Cristo. O outro é um grande
pensador, um dos inaugurais da modernidade, mas que respeitamos mais por sua
contribuição à teoria do conhecimento e às ciências do que à ética ou às
disciplinas que lidam com os valores: Francis Bacon, que faleceu em 1626.
Sócrates foi
condenado à morte em Atenas – o único dos grandes filósofos a padecer essa pena
– por corromper a juventude, ao ensiná-la a desacreditar dos deuses. Tudo nessa
história é carregado de significação. O que chamamos de filosofia era novo,
tinha um século ou dois. Tal foi a importância de Sócrates que damos aos que o
precederam o nome de “pré-socráticos”. E Sócrates nada escreveu (uma pegadinha
em vestibulares já foi: “que obras você leu de Sócrates?” e a pior resposta,
“todas”). Foi filósofo porque foi professor. Em vez de ditar conteúdos, ia
perguntando a seu interlocutor o que este pensava disso ou daquilo, e
contestando as respostas, até que o próprio parceiro chegava a conclusões. Era
tão democrático seu modo de ensinar que até escravos aprendiam com ele.
A cidade de Atenas
não entendeu o que dizia Sócrates. Não conseguiu compreender que ele não
pregava nada, apenas fazia pensar. Nem entendeu que duvidar, questionar,
perguntar são as formas melhores de aprender. Preferiu, tosca e tolamente,
afirmar que ele ensinava (um erro) os jovens a descrer dos deuses (outro erro),
pretendendo desta forma acabar com a moral e a vida cívica (terceiro erro).
Daí, a pena de morte. Daí, esse início perigoso e honroso para a filosofia.
Que não seguiu o
caminho socrático. Todos os filósofos importantes que se seguiram escreveram
obras. Poucos foram tão longe quanto ele no questionamento – talvez Descartes,
com a dúvida metódica. Só que não: a dúvida cartesiana tende ao monólogo,
enquanto o que Sócrates fazia era dialogar. Nenhum filósofo foi tão professor quanto
ele. Ah que pena não ter assistido a seus diálogos (que ninguém diga “aulas”).
Obra A Academia de Platão |
Mas fica aí a ideia de corrupção para os atenienses e os romanos: era a degradação das virtudes que mantinham o laço social. Corrupção é degradação. Um tecido social bem atado, que remontava aos deuses, se via esgarçado se as mulheres se emancipavam, se o luxo tomava conta da cidade, se a dominação patriarcal era contestada – e também, esta a parte da filosofia nisso tudo, se as verdades pregadas fossem postas em dúvida.
Talvez seja essa
bendita corrupção socrática o cerne da filosofia. Um trabalho de formiga, que
jamais faz apologia, só contesta. A ponto de soar insuportável. Por que
problematizar o óbvio? Por que complicar as coisas? Mas a filosofia nunca pode
ser elogio dos poderosos.
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