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terça-feira, 26 de novembro de 2013

A invenção dos gaúchos

Povo, aí está o texto que temos trabalhado em aula na 73 e 74. O texto original está neste link.

A ideia de que os habitantes do Rio Grande do Sul são todos separatistas, com espírito guerreiro e livre e muito orgulhosos de si mesmos parece consolidada. Mas a palavra “gaúcho” não está associada originalmente a estas características. Gaúcho era o homem sem laços, que vivia do que fosse preciso, inclusive do roubo de gado. Sua associação ao Rio Grande do Sul teve início na Revolução Farroupilha (1835-1845).

O gaúcho na visão do pintor Debret
no século XIX

Uma ideia que se tornou “natural” é que a então província do Rio Grande de São Pedro aderiu totalmente à luta contra o Império brasileiro. Na verdade, uma parte considerável dos rio-grandenses não foi farroupilha, assim como uma parte considerável dos farroupilhas não eram rio-grandenses por nascimento (Giuseppe Garibaldi, por exemplo, era italiano!). Cidades importantes como Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre não estiveram sob o poder farroupilha. Ou seja, mais da metade do atual Rio Grande do Sul não esteve ao lado dos farroupilhas, assim como a maioria da população, como Porto Alegre (ironicamente, a capital gaúcha é,hoje, a sede do acampamento farroupilha...).
Mas então quem eram os revoltosos? Grande parte estava envolvida economicamente com a produção de gado e de charque, um tipo de carne salgada, exportada como alimento para a escravaria e que foi riqueza da região no século XIX. As reivindicações estavam ligadas a alta taxa cobrada pelo império ao sal – matéria-prima para o charque e as taxas cobradas pelo comércio entre províncias durante o período regencial. Era uma revolta contra a política fiscal do império, liderada pela elite rio-grandense, que controlava as atividades econômicas da região.
O Gaúcho "moderno" - diferente da
imagem anterior
Como a revolta se tornou símbolo de gauchismo? Não foi de forma rápida, mas sim, uma construção histórica, um processo longo iniciado após o fim do conflito. A consolidação passa, sem dúvida, pela associação das características do “gaúcho” – mítico, trabalhando no gado e guerreador contra os “castelhanos” - com os guerreiros farroupilhas. A honra e a bravura associadas aos revoltosos passou para todos os habitantes do estado, como se os ideais e o caráter dos farroupilhas tivesse continuidade em todos os nascidos no Rio Grande do Sul.
Ao ignorarmos que os farroupilhas eram a elite do sul, ignoramos também as divisões sociais dentro das tropas revolucionárias. A presença de escravos – os “Lanceiros Negros” – é esquecida ou é apresentada como se os revoltosos fossem contra a escravidão... O suposto abolicionismo farroupilha relacionava-se com a prática da região de liberar escravos para as guerras, como soldados de Infantaria, uma vez que se precisava de homens aptos para as guerras. Sobre os lanceiros negros, discute-se até hoje se foram assassinados pelos próprios farroupilhas...
O RS em 1747: fronteiras em conflito
O que diferencia a revolução farroupilha das outras revoltas regenciais? O separatismo não foi uma peculiaridade sulista, já que as outras revoltas também estabeleceram governos paralelos ao império, a revolta contra a “exploração” do império também era algo comum em revoltas como a Sabinada (Bahia) e a Cabanagem (Pará). O que fez a diferença é a posição geográfica do Rio Grande do Sul: fazendo fronteira com os países do Prata – Argentina e Uruguai -, o temor do império era de que os sulistas deixassem de ser “sentinelas do Brasil”, ou seja, a Província que protegeria o Brasil de guerras contra os países platinos e, ao contrário, tornassem-se aliados de argentinos e uruguaios. Com tal preocupação é que o Império Brasileiro preocupou-se em acertar a paz com os rio-grandenses em 1845.

Representação de um Lanceiro Negro
O papel da História é problematizar essas questões, permitindo que a sociedade perceba que as versões do episódio são historicamente construídas e que sua transformação em ponto fundador de uma identidade regional foi posterior ao conflito farroupilha.

Texto adaptado de: MENEGAT, Carla. A invenção dos “gaúchos”. IN: Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 8, nº86, Nov. de 2012.

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